Não veio… porque era coxa.
Um ano ficou decidido: era melhor entrevistar os candidatos em Inglaterra. Conhecê-los pessoalmente antes de lhes oferecer emprego. Já estávamos a ficar fartos de cromos, de os mandar vir olhando para o currículo e para a fotografia e depois “ enfiar barretes”.
Havia uma candidata que parecia ideal: muita experiência, grandes habilitações, boas cartas de recomendação. Fui visitá-la. Vivia no norte de Inglaterra, numa aldeia afastada. Custou encontrar a casa. Recebeu-nos bem, embora vestida de forma demasiado desleixada. Não me convidou para entrar, mas pela desarrumação do jardim era fácil imaginar como a casa seria por dentro.
Falámos, mas não me lembro do que falámos e tenho apenas uma vaga ideia da cara. Tinha o cabelo escorrido e descuidado, isso recordo bem.
Mas o que fez eclipsar toda a imagem foi um facto a que não pude deixar de reagir com espanto: era coxa.
Mas mesmo coxa, do género de inclinar o corpo para um dos lados quando dava um passo. Ela falava e eu não a ouvia. Só me vinha à ideia o riso escarninho dos alunos quando a vissem a coxear. Eu sei que não fui justo. Eu sei que ela podia ser (acho mesmo que era) uma excelente professora.
Quando nos despedimos e eu disse que ia decidir e depois lhe dizia alguma coisa ela mostrou ser realista quando me respondeu, certeira:
— Eu sei que a resposta é não, mas eu compreendo.
Meti-me no carro, meio envergonhado. E, claro, nem cheguei a telefonar-lhe.
Ainda hoje acho que fui injusto. Muito injusto.