Levei-o a comer carne… e ele desapareceu.
Este candidato era de Dublin. Chegou de mansinho, meio calado. Vestia-se bem, tinha ar de menino certinho, mas era evidente que não se sentia confortável neste nosso país tão “esquisito”. Olhava à volta, desconfiado com o clima (chovia quando chegou), desconfiado com as pessoas, desconfiado com a informalidade da “comissão de acolhimento” da escola para onde ia trabalhar (e nisso tinha razão).
Para ver se o animava, convidei-o para jantar.
Na altura eu tinha acabado de conhecer o restaurante da Maria José em Chiqueda (Alcobaça): um talho à entrada, nós escolhíamos a carne que depois ajudávamos a grelhar lá dentro, à lareira, num restaurante onde se confundia uma sala ampla e a própria cozinha da dona, que oferecia da sua sopa e punha o pipo de vinho à disposição para irmos enchendo os jarros. Hoje é apenas um bom restaurante. Pensei que o professor ia gostar daquela simplicidade à portuguesa e que o ambiente talvez o ajudasse a confiar mais no nosso país. Pelo caminho perguntei-lhe se gostava de carne e ele disse que sim, e até acrescentou que todo o irlandês adora carne, etc.
Chegámos lá, e eu mandei pesar uma costeleta de novilho. Disse-lhe para ele escolher o quisesse, pois o balcão frigorífico estava bem recheado. Resposta dele: “Apetece-me peixe”.
Deu-me vontade de o mandar à m., de lhe apertar o pescoço. Peixe, ali?! Num talho? Mas ele até tinha dito que…
Encolheu os ombros e olhou para o lado.
Entrámos. Grelhei a minha costeleta e comia-a quase em silêncio. Ele ainda pediu uma salada de alface que afinal não havia (só tomate, ou sopa acabada de fazer, que ele recusou). Mordiscou um pão e saímos.
No dia seguinte deixou uma nota escrita no IF de Leiria (duas linhas) em jeito de despedida e desapareceu.
Culpa da carne?