Passou a noite na encosta do castelo de Leiria
Era professor no IF. Não fazia ondas, tentava ensinar o melhor que sabia e os alunos gostavam dele. Um dia chegou ao IF de Leiria muito cedo, pouco passava das dez da manhã. Tinha aspecto de quem não tinha dormido, a cara por lavar, as roupas e o cabelo em desalinho. Trazia nas mãos um saco de cama. Sem conter a excitação gritava: “I made it! I made it!”.
Fiquei curioso. Claro que queria saber o que é que ele tinha conseguido. Puxou-me por um braço para fora do IF e apontou para o castelo: “Vês? Passei a noite na encosta daquele monte, mesmo junto à muralha do castelo, virado para cá, para a cidade…”
Eu não disse nada, ocupado a pensar: “Este gajo é doido!”. Mas ele continuou, sem conseguir conter o entusiasmo:
– Chegou a noite e eu fui subindo, subindo. Demorou quase uma hora a chegar lá acima, eu pensava que era rápido mas havia muitos obstáculos. Encontrei um sítio para me recostar bem junto à muralha e enfiei-me no saco de cama. Aí fiquei, meio sentado, a olhar cá para baixo, para a cidade. Que maravilha, todas aquelas luzes!
Eu continuava boquiaberto, a olhar para ele, para o monte, para o castelo, a imaginar aquele tipo acocorado lá no topo entre pedras e silvas, com o castelo por trás.
– Mas o que eu queria mesmo era assistir ao amanhecer. O sol a entrar nas ruas aos poucos, a iluminar as casas, a cidade a despertar, estás a ver?
Eu estava a ver, e a minha cara devia estar a trair-me. Não sei porquê, aquele inglês já não me parecia maluco. Um sentimento de inveja foi-me invadindo… Ele deve ter assistido a um espectáculo fantástico!
Olhei-o de cima a baixo com admiração e reparei nas calças rasgadas e no sangue seco. Tinha-se magoado. Apontei-lhe para o joelho, intrigado.
– Isto? Foi a descer. Não queria ser visto, sabes? Desci meio aos trambolhões, escorreguei, mas isto não é nada…
Passaram mais de vinte anos. E sabem que ainda hoje sinto uma vontade estranha de subir aquele monte e assistir ao despertar de Leiria bem lá de cima, juntinho ao castelo? Pode ser que um dia… quem sabe?